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Desde 2004, a receita auferida com as vendas de mercadorias destinadas ao consumo ou à industrialização na Zona Franca de Manaus – ZFM, por pessoa jurídica estabelecida fora da ZFM, é sujeita à alíquota zero de PIS e COFINS. Isso significa dizer, por exemplo, que uma pessoa jurídica sediada na cidade de São Paulo não se submete ao pagamento de PIS e COFINS quando vende suas mercadorias para consumo ou industrialização na Zona Franca de Manaus.
Esse benefício (alíquota zero) foi originalmente concebido como forma de estimular a economia da Zona Franca de Manaus, fazendo com que, ao menos em tese, as mercadorias remetidas para essa área chegassem nela desoneradas das contribuições PIS e COFINS.
Entretanto, na prática a teoria não funciona, ao menos para as empresas situadas na Zona Franca de Manaus. Isso acontece por dois motivos: (1) a desoneração do PIS e da COFINS é aplicada para as pessoas jurídicas que se encontram fora da Zona Franca de Manaus, não havendo qualquer obrigação de repasse desse benefício no preço praticado e (2) a aquisição de insumos ou mercadorias destinadas à revenda cuja receita de vendas seja sujeita à alíquota zero, não gera direito ao crédito das contribuições (regime não-cumulativo) para a pessoa jurídica adquirente.
A legislação das contribuições PIS e COFINS, de acordo com a sistemática não-cumulativa (aplicada principalmente para aquelas empresas optantes pelo lucro real), impede a tomada de créditos em relação às mercadorias adquiridas para revenda ou insumos cuja receita de vendas na etapa anterior tenha sido tributada com alíquota zero.
Ou seja, as empresas estabelecidas na Zona Franca de Manaus são impedidas, pela legislação, de aproveitar o crédito da não-cumulatividade do PIS e da COFINS em relação às mercadorias e insumos adquiridos de outras regiões do país.
Ocorre que esse cenário nem sempre foi assim. Como indicado acima, a alíquota zero nessa hipótese (vendas para a ZFM) foi introduzida em 2004, por meio da Lei n° 10.996/2004, publicada no apagar das luzes daquele ano, no dia 15 de dezembro. Antes disso, a receita obtida com a remessa de mercadorias para a Zona Franca de Manaus, para consumo ou industrialização, era isenta do pagamento das contribuições PIS e COFINS, o que garantia, para as empresas da ZFM, o direito ao respectivo crédito, especificamente quando tais mercadorias eram revendidas ou utilizadas como insumos em produtos ou serviços regularmente tributados pelas contribuições PIS e COFINS.
Assim, antes de 15 de dezembro de 2004, uma empresa situada na Zona Franca de Manaus que comprasse insumos provenientes da cidade de São Paulo, com isenção de PIS e COFINS, poderia aproveitar o respectivo crédito, desde que seu produto, produzido dentro da Zona Franca de Manaus, fosse tributado (a receita correspondente) pelas contribuições PIS e COFINS. Com o advento da Lei n° 10.996/2004, o legislador alterou essa realidade, introduzindo a citada alíquota zero e com isso impedindo o direito ao crédito.
Ocorre que a introdução dessa alíquota zero confronta com a Constituição Federal e com a legislação em vigência, notadamente com o arcabouço jurídico relativo à Zona Franca de Manaus.
Isso acontece, principalmente, em razão do texto contido no artigo 4° do Decreto-lei 288/67, instrumento normativo que concebeu a Zona Franca de Manaus da forma como a conhecemos hoje. De acordo com esse artigo, a exportação de mercadorias de origem nacional destinada à Zona Franca de Manaus, para consumo ou industrialização, é equivalente, para fins fiscais, a uma exportação para o exterior. A receita de exportação para o exterior, por sua vez, é imune à incidência das contribuições sociais federais, inclusive do PIS e da COFINS.
Vale registrar que a Zona Franca de Manaus foi expressamente acolhida pela Constituição Federal de 1988, com a manutenção de todos os seus benefícios até então vigentes.
Logo, se a receita de exportação para o exterior é imune à incidência do PIS e da COFINS, também é imune a receita de vendas (de mercadorias de origem nacional destinadas ao consumo ou industrialização) para a Zona Franca de Manaus, por força do citado artigo 4° do Decreto-lei 288/67. Isso significa que a receita de vendas de mercadorias de origem nacional para a Zona Franca de Manaus não pode ser tributada por contribuições sociais. É dizer, nem mesmo tributada com alíquota zero.
Importante registrar que a aplicação de alíquota zero pressupõe o poder de tributar aquele determinado fato (receitas de exportação), o que inexiste no caso de imunidade tributária. A imunidade tributária limita o poder de tributar.
Em razão disso, a introdução da citada alíquota zero viola a imunidade tributária conferida à receita de vendas para a Zona Franca de Manaus, decorrente da aplicação conjunta da Constituição Federal (artigo 149, § 2º inciso I) e do Decreto-lei 288/67, pois a União Federal não está autorizada a tributar essa espécie de receita (exportação), nem mesmo mediante alíquota zero.
Por outro lado, não podemos ignorar o fato de que existe o entendimento que corre no sentido de que a receita de vendas para a Zona Franca de Manaus (dentro do cenário acima descrito – mercadorias de origem nacional, para consumo ou industrialização) seria isenta das contribuições sociais PIS e COFINS, assim tratando o benefício previsto no citado artigo 4° do Decreto-lei 288/67 como norma de isenção tributária, não imunidade.
Ainda assim haveria ilegalidade na introdução da discutida alíquota zero. Isso acontece porque a isenção, diferentemente da alíquota zero, não impede o direito ao crédito das contribuições PIS e COFINS, desde que as mercadorias adquiridas com o benefício (isenção) sejam revendidas ou utilizadas como insumos em produtos ou serviços regularmente tributados pelas contribuições PIS e COFINS.
Assim, uma empresa que adquire mercadorias cuja receita na etapa anterior seja isenta do PIS e da COFINS, poderá creditar-se normalmente, caso aquelas sejam revendidas ou empregadas como insumos em produtos regularmente tributados pelas contribuições sociais.
Diante disso, a alíquota zero trazida pela Lei n° 10.996/2004 não teve outro motivo senão mutilar parte de um benefício tributário conferido às empresas estabelecidas na Zona Franca de Manaus, assim violando seu direito ao crédito de PIS e COFINS, ignorando a isenção que já existia e violando o regime jurídico instituído pelo Decreto-lei 288/67, constitucional e legalmente resguardado.
A partir desse cenário, muitas empresas passaram a questionar no judiciário a constitucionalidade e a legalidade da alíquota zero na hipótese tratada. E, recentemente, a questão chegou ao Superior Tribunal de Justiça que, muito em breve, analisará um caso envolvendo uma empresa que comercializa refeições prontas na ZFM (REsp 1.259343/ AM). Certamente, a decisão proferida nesse caso servirá de guia para todos os demais que tratam da mesma matéria.
Recentemente, o Supremo Tribunal Federal admitiu a tomada de créditos de IPI sobre as aquisições de insumos provenientes da Zona Franca de Manaus, saídos com isenção do imposto. Ou seja, o tribunal interpretou a sistemática não-cumulativa do IPI à luz do regime da Zona Franca de Manaus, de modo a admitir o crédito do imposto mesmo nas situações em que não há o pagamento do tributo na etapa anterior.
Embora essa decisão não seja diretamente aplicável no caso envolvendo o PIS e a COFINS, talvez sirva de guia para o entendimento que deve ser aplicado nessa nova discussão, no sentido de que é possível interpretar o regime não-cumulativo das contribuições à luz do arcabouço jurídico que envolve a Zona Franca de Manaus.
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