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A maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal firmou seu entendimento no sentido de que o ato de declarar e não pagar o ICMS próprio pode configurar o crime previsto no artigo 2°, inciso II, da Lei n° 8.137/1990. Votaram nesse sentido os ministros Roberto Barroso (relator), Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Rosa Weber, Cármen Lúcia e Luiz Fux. Votaram contra a criminalização da conduta os ministros Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio.
A questão foi decidida em sede de recurso ordinário em habeas corpus (RHC 163334/SC), manejado (o recurso) contra decisão do Superior Tribunal de Justiça que já havia reconhecido a configuração do crime na hipótese tratada (ICMS próprio declarado e não pago). Interessante notar que nesse mesmo caso, analisado pelo STJ e pelo STF , o juízo de primeira instância havia absolvido sumariamente o réu, sob o argumento de que a conduta não configuraria crime.
Segundo o voto do relator do caso no STF, ministro Roberto Barroso, o ICMS constitui uma espécie de tributo cujo encargo econômico é repassado pelo comerciante (contribuinte do imposto) ao adquirente da mercadoria dentro do preço praticado. Assim, o comerciante atua como mero depositário do ICMS que de fato é pago pelo adquirente da mercadoria.
Com base nessa premissa, ainda segundo o ministro relator Roberto Barroso, ao declarar e não pagar o ICMS que recebeu na venda de suas mercadorias, o comerciante (contribuinte do ICMS) estaria apropriando-se indebitamente do respectivo montante, assim praticando o crime previsto no artigo 2°, inciso II, da Lei n° 8.137/1990, disposto da seguinte forma:
Art. 1° Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas:
[…]
Art. 2° Constitui crime da mesma natureza:
[…]
II – deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos;
A apropriação indébita em matéria tributária e sua criminalização não é novidade. Porém, sua aplicação se restringia aos casos de responsabilidade pela retenção de tributos ou substituição tributária. Por exemplo, o empregador que, obrigado à retenção de INSS de seus empregados, o faz mas deixa de recolher o respectivo montante aos cofres públicos, assim apropriando-se do valor descontado.
Nesse novo caso, o STF entendeu que ocorreria apropriação indébita, mesmo não havendo a efetiva retenção por parte do contribuinte. O caso tratou do não recolhimento do ICMS próprio, não alheio.
Para o ministro Alexandre de Moraes, que seguiu o voto do relator pela criminalização da conduta, o comerciante (contribuinte do ICMS) não tem disponibilidade sobre o valor que recebe a título de ICMS, embutido no preço de suas mercadorias, o que, inclusive, impede a incidência de PIS e COFINS sobre o imposto (ICMS), da forma como o próprio Supremo Tribunal Federal decidiu no RE 574706 (exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS). Justamente por não ter disponibilidade sobre o que recebe a título de ICMS, o contribuinte pratica apropriação indébita quando deixa de recolhe-lo aos cofres estaduais.
A maioria se convenceu de que a criminalização dessa conduta, consistente em declarar e não pagar o ICMS próprio, é constitucional. Porém, por tratar-se de um crime que admite apenas a modalidade dolosa (quando existe a intenção de praticar a conduta criminosa), caberá a apuração, em cada caso concreto, da efetiva prática delituosa.
Isso significa que nem todos os contribuintes devedores de ICMS próprio, declarado e não pago, serão automaticamente penalizados criminalmente. Caberá à justiça, durante a instrução processual penal, apurar a intenção do contribuinte, de modo a aferir prática deliberada da apropriação indébita do montante relativo ao imposto.
Para o ministro relator, Roberto Barroso, a intenção de praticar o crime deverá ser provada a partir das “circunstâncias objetivas factuais” de cada caso. Por exemplo, o dolo poderá ser extraído a partir das seguintes particularidades:
• inadimplência reiterada do contribuinte; • venda de produtos abaixo do preço de mercado; • criação de obstáculos à fiscalização; • utilização de entrepostas pessoas (“laranjas”); • ausência de tentativa de regularização do passivo; • abertura de empresas com o objetivo de impedir o sucesso de execuções fiscais.
Caberá ao Supremo Tribunal Federal, agora, decidir quanto à possível modulação dos efeitos de sua decisão, de modo a aplica-la apenas daqui em diante ou para casos já em tramitação.
A pena para o crime previsto no artigo 2°, inciso II, da Lei n° 8.137/1990 é de detenção, de 6 meses a 2 anos, e multa.
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