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A Receita Federal publicou a Instrução Normativa n° 1.911, de 11 de outubro de 2019, consolidando as regras para a apuração, cobrança, fiscalização, arrecadação e administração da Contribuição para o PIS/ Pasep, da Cofins, da Contribuição para o PIS/ Pasep-Importação e da Cofins-Importação.
Com 766 artigos, a nova instrução normativa tem o objetivo de esgotar a disciplina da matéria, cujas regras antes estavam espalhadas em inúmeros atos normativos. Dividida em seis partes, seu texto abrange a incidência das contribuições sobre a receita e o faturamento de acordo com os regimes cumulativo e não-cumulativo (Parte I), sobre as importações (Parte II), sobre a folha de salários (Parte III), sobre as receitas governamentais (Parte IV) e a tributação diferenciada sobre a receita de importação (Parte V).
Seu texto também trata da incidência concentrada (monofásica) desses tributos e da substituição tributária, especialmente nas operações envolvendo a Zona Franca de Manaus.
A consolidação dessas regras em um único ato normativo é extremamente positiva, especialmente diante das incontáveis leis (e alterações) que tratam das referidas contribuições. Todavia, diante da sua grande extensão, é prudente que os contribuintes façam uma análise comparativa entre o texto da instrução normativa e as regras legais, de modo a verificar a existência de eventuais transgressões. Não é incomum que o exercício da disciplina de matérias realizado pela Receita Federal extrapole os limites estabelecidos pela Constituição Federal, legislação e jurisprudência.
É o caso, por exemplo, do seu artigo 27 que passou a disciplinar a aplicação das ações, com trânsito em julgado, que tratam sobre a indevida inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS/Pasep e da Cofins. De acordo com seu texto, os contribuintes poderão excluir da base de cálculo das contribuições o ICMS a recolher. Essa restrição advém da Solução de Consulta Interna COSIT nº 13, de 18 de outubro de 2018, por meio da qual a Receita Federal (por meio do seu órgão consultivo) já havia manifestado seu entendimento no sentido de que os contribuintes deveriam excluir da base de cálculo do PIS/Pasep e da Cofins apenas o valor do ICMS a recolher.
Todavia, a restrição contida no citado artigo 27 é absolutamente oposta à orientação firmada, em 2017, pelo Supremo Tribunal Federal, já aplicada em muitas decisões transitadas em julgado pelo país, no sentido de que o ICMS a ser excluído da base de cálculo das contribuições é aquele destacado nas notas fiscais.
Inclusive, após a decisão do Supremo Tribunal Federal, ocorrida em março de 2017, o Ministro Gilmar Mendes posicionou-se expressamente (em outro caso tratando da mesma questão) que o ICMS a ser excluído da base de cálculo é aquele destacado na nota fiscal (RE 954262, relator Min. Gilmar Mendes, julgado em 20/08/2018, publicado em 22/08/2018).
Além disso, as disposições contidas no citado artigo 27 da IN ignoram a própria sistemática de apuração das contribuições. Isso porque o ICMS a recolher jamais compõe a base de cálculo das contribuições PIS/Pasep e Cofins. O único ICMS que compõe a receita bruta/faturamento é o ICMS destacado na nota fiscal. O ICMS pago (a recolher), ao contrário, não compõe a base de cálculo das contribuições PIS e COFINS e, por certo, não pode ser excluído da incidência desses tributos.
O STF definiu que o ICMS não integra o conceito de receita e, por isso, não deve compor a base de cálculo das contribuições. Logo, o ICMS a ser excluído é aquele que, na operação, integrou a base de cálculo das contribuições. E esse ICMS é o tributo destacado.
O texto da IN chega a ser absurdo em certos pontos, principalmente quando impõe (artigo 27, parágrafo único, incisos II e III) a exclusão proporcional do ICMS pago entre os diferentes tipos de receita, independentemente da sua prévia inclusão no faturamento.
Nesse sentido, vamos supor que uma empresa tenha R$ 100.000,00 de receita bruta total, sendo R$ 80.000,00 oriunda do mercado interno (CST 01), sujeita à alíquota padrão de PIS e COFINS, e R$ 20.000,00 de exportação (CST 08), não sujeita ao PIS e à COFINS. Vamos supor, também, que o ICMS pago nessa competência seja de R$ 10.000,00.
De acordo com a IN, o contribuinte deverá excluir o ICMS da base de cálculo da seguinte forma:
CST 01: R$ 80.000,00 (-) R$ 8.000,00 (80% do ICMS pago); Base de cálculo do PIS e da COFINS final: R$ 72.000,00 Valor a pagar de PIS e COFINS: 9,25 x 72.000 = R$ 6.660,00//
CST 08: R$ 20.000,00 (-) R$ 2.000,00 (20% do ICMS pago); Base de cálculo do PIS e da COFINS final: R$ 18.000,00 Valor a pagar de PIS e COFINS: 0 x 18.000 = R$ 0,00//
Ocorre que essa sistemática não faz sentido algum. Isso porque o ICMS jamais integrou a base de cálculo sujeita ao CST 08, pois trata-se de exportação. O ICMS não incide sobre operações de exportação.
Diante disso, fica nítido que o objetivo da Receita Federal não é respeitar a orientação do Supremo Tribunal Federal, tampouco regulamentar questões de técnica fiscal. A IN, nessa parte, foi concebida como forma de limitar o direito já buscado pelos contribuintes.
Assim, no tocante à exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS, caberá aos contribuintes o exercício do direito que lhes foi assegurado em suas próprias decisões judiciais, obtidas sobre o tema. O posicionamento da Receita Federal sempre foi contrário a qualquer tipo de exclusão do ICMS (valor destacado ou montante pago). Portanto, a restrição contida nessa nova IN não é novidade.
Por certo, as decisões judiciais proferidas nesse contexto se sobrepõem ao texto da instrução normativa e devem ser respeitadas pela Receita Federal.
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