Suposto caos tributário não tem como causa a decisão do STF, mas a mal implementada redução linear do IPI. Entenda neste artigo.
A recente decisão do STF, que suspendeu a redução linear do IPI em 35%, tem gerado inúmeras dúvidas e críticas. Fala-se, inclusive, em um possível “caos tributário” na sua implementação.
Na imprensa, é possível encontrar comentários de fontes ligadas ao Ministério da Economia sustentando que a decisão “pode ter um alcance muito maior do que o Amazonas” e que as indústrias situadas fora dessa área ficarão sujeitas a uma enorme insegurança jurídica, já que “uma empresa pode utilizar insumos que estão nos PPBs da Zona Franca e nem saber”.
Pois bem. Para entender os efeitos dessa decisão é necessário, antes, compreender a ZFM e como a redução linear do IPI afeta negativamente as indústrias situadas nessa região.
A ZFM decorre de uma política pública de Estado que visa combater as desigualdades regionais e, ao mesmo tempo, reafirmar a soberania brasileira sobre a Amazônia. Essa política pública prevê a concessão de diversos incentivos tributários como forma de fomentar a instalação e a manutenção de empresas na região, especialmente as indústrias.
Os principais incentivos oferecidos pelo modelo estão relacionados ao IPI. O IPI é um imposto que incide sobre a importação e sobre a fabricação de produtos (saída do produto industrializado do estabelecimento industrial).
As indústrias instaladas na ZFM, e que possuem projetos aprovados no âmbito da SUFRAMA, podem adquirir matérias-primas e produtos intermediários (nacionais e importados), destinados à industrialização nessa região, com isenção do IPI.
Por outro lado, o produto fabricado na ZFM, seja ele um bem intermediário ou final, sai dessa região com isenção do IPI.
Ou seja, o produto fabricado na ZFM é desonerado desse imposto federal. Essa desoneração tem o objetivo de tornar o produto fabricado no PIM – Polo Industrial de Manaus – mais competitivo se comparado àqueles produzidos nas demais regiões do Brasil, mais próximas dos principais centros consumidores do país.
Então, a redução linear do IPI (agora suspensa) abreviou a distância existente entre o custo tributário dos produtos fabricados na ZFM e daqueles produzidos nas demais regiões do país.
A redução promovida pelos decretos, importante esclarecer, afeta não somente o IPI incidente na venda, mas aquele que onera a importação. Com isso, a importação realizada pela ZFM, hoje isenta, perde parte da sua atratividade, na medida em que o IPI será reduzido para todos os insumos importados pelas demais regiões do Brasil.Tudo isso afeta negativamente a ZFM e a política pública de Estado nela instrumentalizada.
O objetivo da decisão do STF, portanto, é reestabelecer a competitividade do produto fabricado na ZFM, afetada pela redução do IPI para os produtos fabricados nas demais regiões do país.
Em razão disso, parece bem claro que a decisão proferida pelo STF tem a finalidade de reestabelecer as alíquotas do IPI vigentes antes da edição dos decretos federais que as reduziram. Essa suspensão (da redução) vale para todas as empresas do país, aplicando-se aos produtos igualmente fabricados na ZFM e que possuam processo produtivo básico – PPB.
Não faria o menor sentido se a decisão fosse aplicada apenas para as empresas que estão em Manaus ou para os produtos que saíssem dessa região.
Por outro lado, é indiscutível que a decisão impõe aos já sobrecarregados contribuintes brasileiros mais uma espécie de obrigação acessória para a correta aplicação das alíquotas do IPI. Isso ocorre porque a suspensão (da redução) vale apenas para os produtos fabricados na ZFM e que possuem PPB.
Agora, para saber a correta alíquota do IPI, o contribuinte (indústria) deverá checar se o produto por ele fabricado possui similar industrializado na ZFM que possua processo produtivo básico.
Uma lista atualizada de produtos fabricados na ZFM e que possuem processo produtivo básico facilitaria bastante essa tarefa. Essa lista poderia ser facilmente editada e disponibilizada pela SUFRAMA, órgão responsável pela aprovação de projetos para a fabricação incentivada na região.
A ausência dessa lista, porém, não impede o acesso a esse tipo de informação. O PPB é definido por produto e veiculado por meio de portarias interministeriais. Essas portarias podem ser encontradas no Portal do Comércio Exterior, no site do governo federal. Além disso, no site da SUFRAMA é possível encontrar uma listagem de produtos fabricados na ZFM, com a indicação do respectivo PPB.
Por outro lado, a aprovação de projetos para a fabricação incentivada na região é realizada por meio de portarias expedidas pela SUFRAMA que, igualmente, são disponibilizadas online. Essas portarias indicam o NCM do produto a ser fabricado.
Tudo isso indica que a decisão do STF não causará um “caos tributário” como alguns tem sustentado, apesar de merecidas as críticas pela criação de mais uma espécie de obrigação acessória.
O fato é que o STF avaliou a situação, como era de se esperar, do ponto de vista constitucional e concluiu que os decretos não estão de acordo com a lei maior. A inconstitucionalidade dos decretos, importante dizer, não decorre da redução das alíquotas do IPI, mas da falta de medidas compensatórias para a ZFM.
Todo esse “caos”, portanto, tem como epicentro não a decisão do STF, mas a própria edição dos decretos. Trata-se de uma redução realizada com base em estratégias de governo e que não levaram em conta políticas públicas de Estado presentes na Constituição Federal.
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