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O STF editou, recentemente, a nova súmula vinculante n° 58, ratificando o entendimento da Suprema Corte no sentido de que inexiste crédito presumido de IPI em relação à entrada de insumos isentos, sujeitos à alíquota zero ou não tributáveis. Porém, em 2019, o mesmo Tribunal firmou seu entendimento no sentido de que os produtos adquiridos da Zona Franca de Manaus, com isenção do IPI, geram direito ao crédito para o respectivo adquirente. Diante disso, a questão que se coloca é: a nova súmula vinculante repercutirá efeitos em relação aos produtos fabricados na ZFM e adquiridos por empresas estabelecidas fora dessa área?
O IPI é um imposto sujeito à sistemática da não cumulatividade. Isso significa, em termos resumidos, que os contribuintes desse imposto podem se creditar em relação ao montante cobrado pela União na etapa anterior, de modo que o tributo incida apenas sobre o valor agregado em cada uma das operações, não onerando em demasia os bens de consumo e seus respectivos consumidores finais.
Ao longo dos anos, os contribuintes passaram a questionar, no Judiciário, alguns pontos pertinentes à sistemática não-cumulativa do IPI, especialmente o direito ao crédito do imposto em relação aos produtos adquiridos com isenção, alíquota zero e não incidência.
O Supremo Tribunal Federal, no entanto, instado a se pronunciar sobre o tema em diversas oportunidades, firmou seu posicionamento no sentido de que “na sistemática que rege o princípio constitucional da não cumulatividade, a operação desonerada de IPI impede o reconhecimento do imposto pago na operação anterior e não gera direito ao crédito para a seguinte, raciocínio que deve ser aplicado de forma indistinta aos casos de alíquota zero, isenção, não incidência e imunidade”(Ag. Reg. no AI 736.994/SP).
Esse posicionamento adotado pela Suprema Corte, ao longo de quase vinte anos, culminou na edição da súmula vinculante n° 58 que, expressamente, assim dispõe: “inexiste direito a crédito presumido de IPI relativamente à entrada de insumos isentos, sujeitos à alíquota zero ou não tributáveis, o que não contraria o princípio da não cumulatividade”.
Nos termos da legislação, as denominadas súmulas vinculantes são editadas pelo STF após reiteradas decisões sobre matéria constitucional e, a partir de sua publicação na imprensa oficial, possuem efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal.
Diante desse cenário, é perfeitamente seguro afirmar que a edição da referida súmula encerra, de uma vez por todas, qualquer discussão relativa aos créditos de IPI em relação à aquisição de produtos desonerados, certo? Errado.
Paralelamente aos julgados que fundamentaram a edição da citada súmula, tramita na Suprema Corte outra discussão relativa ao tema: o direito aos créditos de IPI em relação aos produtos adquiridos da Zona Franca de Manaus com isenção do imposto.
A saída de produtos fabricados na Zona Franca de Manaus, para outros pontos do território nacional, é realizada com isenção do IPI. Em razão disso, as empresas adquirentes de produtos intermediários e matérias-primas oriundas da ZFM são impedidos os créditos de IPI nessa operação.
Ocorre que essa sistemática (isenção dos produtos fabricados na ZFM com o consequente impedimento ao crédito) é extremamente negativa, colocando em risco, em muitos casos, o desenvolvimento industrial na Zona Franca de Manaus.
Em função disso, muitos contribuintes passaram a pleitear, também na justiça, o direito ao crédito do IPI em relação às aquisições de produtos provenientes da ZFM com isenção do imposto. Nesse caso, porém, diferentemente dos julgados que viabilizaram a edição da súmula, o posicionamento da Suprema Corte foi favorável aos contribuintes, sendo admitido o crédito do IPI em relação aos produtos isentos, quando adquiridos da ZFM.
Assim, aparentemente, teríamos dois posicionamentos conflitantes dentro do próprio STF: por um lado, temos a Suprema Corte ratificando seu entendimento no sentido de que os produtos isentos não geram crédito para o respectivo adquirente e, de outro, a mesma Suprema Corte definindo que os produtos provenientes da ZFM, saídos com isenção, geram créditos de IPI.
Todavia, esse conflito é apenas aparente. Vejamos:
No caso que envolveu os produtos originários da Zona Franca de Manaus, a decisão tomada pela Ministra Rosa Weber, relatora do processo, e seguida pela maioria dos Ministros, harmonizou o princípio da não cumulatividade do IPI, que a rigor não permite a apropriação de crédito de IPI sobre produtos não tributados na entrada (como o próprio STF já definiu), com o arcabouço jurídico pertinente à Zona Franca de Manaus e todos os seus objetivos. Com isso, os Ministros admitiram uma exceção nessa sistemática não cumulativa do imposto, permitindo o respectivo crédito sobre produtos isentos, quando provenientes da Zona Franca de Manaus.
Assim, de acordo com a orientação da Suprema Corte, a regra geral da não cumulatividade do IPI implica em inexistência do crédito nas operações envolvendo a aquisição de produtos isentos, não tributados ou tributados sob alíquota zero. A aquisição de produtos produzidos na ZFM, no entanto, consiste em exceção a essa regra que se traduz na possibilidade de crédito, mesmo diante da isenção aplicada.
A ementa do RE 592891/SP (caso envolvendo a ZFM) deixa claro que as particularidades da ZFM se sobrepõem aos demais casos que tratam da aquisição de produtos desonerados do IPI, cujos desfechos foram desfavoráveis aos contribuintes. “O tratamento constitucional conferido aos incentivos fiscais direcionados para sub-região de Manaus é especialíssimo. A isenção do IPI em prol do desenvolvimento da região é de interesse da federação como um todo, pois este desenvolvimento é, na verdade, da nação brasileira”.
Diante disso, é seguro afirmar que a súmula vinculante n° 58 coloca fim à discussão que envolve o direito ao crédito do IPI sobre a aquisição de produtos desonerados do imposto, sem trazer qualquer consequência negativa ao outro posicionamento firmado pela Suprema Corte, no sentido de que os produtos saídos da ZFM com isenção do IPI geram direito ao crédito para os respectivos adquirentes, como se o tributo fosse devido.
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