Ouça o artigo aqui ↓
Recentemente uma famosa instituição financeira brasileira perdeu, na 2ª Turma da Câmara Superior do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF, um processo de R$ 1,25 bilhão. O cerne da questão envolve se a empresa deve recolher contribuição previdenciária patronal sobre hiring bônus (bônus de contratação). Mas afinal, tal tributação é devida?
O artigo 195 da Constituição Federal atribuiu à União competência tributária para criação de contribuições sociais a serem estabelecidas e recolhidas, distintamente, pelo empregador, trabalhador, realizador de concursos de prognósticos e, ainda, pelo importador de bens ou serviços.
Exercendo a competência que lhe foi atribuída no artigo 195, inciso I, alínea “a”, da CF, a União Federal, por meio da Lei n° 8.212/91, elegeu como hipótese de incidência da contribuição previdenciária patronal o pagamento de remunerações destinadas a retribuir o trabalho, seja pelos serviços prestados, seja pelo tempo em que o empregado ou trabalhador avulso permanece à disposição do empregador ou tomador de serviços. Vejamos como trata o artigo 22, inciso I, da Lei nº 8.212/91:
Art. 22. A contribuição a cargo da empresa, destinada à Seguridade Social, além do disposto no art. 23, é de:
I – vinte por cento sobre o total das remunerações pagas, devidas ou creditadas a qualquer título, durante o mês, aos segurados empregados e trabalhadores avulsos que lhe prestem serviços, destinadas a retribuir o trabalho, qualquer que seja a sua forma, inclusive as gorjetas, os ganhos habituais sob a forma de utilidades e os adiantamentos decorrentes de reajuste salarial, quer pelos serviços efetivamente prestados, quer pelo tempo à disposição do empregador ou tomador de serviços, nos termos da lei ou do contrato ou, ainda, de convenção ou acordo coletivo de trabalho ou sentença normativa.
Ou seja, o critério material da regra-matriz de incidência tributária da contribuição previdenciária patronal é o comportamento (da empresa) de pagar as remunerações mensais devidas aos empregados, e o critério quantitativo é formado pela alíquota de 20% incidente sobre o total dessas remunerações pagas.
Cumpre salientar que a Lei é clara em eleger como base de cálculo da contribuição previdenciária patronal, o total das remunerações pagas aos trabalhadores. E remuneração é caracterizada como (i) contraprestação do trabalho, seja (ii) tempo à disposição do empregador, esta (iii) decorrente de interrupção do contrato de trabalho e (iv) decorrente do próprio contrato de trabalho.
Assim, o pagamento recebido pelo empregado terá natureza salarial quando for contraprestação por serviço prestado, pelo tempo à disposição, quando for o caso de interrupção do contrato de trabalho ou por força do próprio contrato de trabalho. Somente nesses casos a verba recebida diretamente do empregador terá natureza salarial. A essa verba se acresce as gorjetas e, assim, teremos as verbas remuneratórias.
Tecidas essas informações, temos que, por outro lado, na busca pela contratação de profissionais que necessitam, muitas empresas começaram a pagar um valor ao empregado pela assinatura do contrato de trabalho. Atribuiu-se a essa verba o nome de bônus de contratação ou hiring bonus.
O hiring bonus pode ser entendido, então, como um acordo firmado entre aquele que pretende ser empregador e aquele que pretende trabalhar, de tal modo que o primeiro se compromete a pagar determinado valor para que o segundo assine o contrato de trabalho. É simples: o acordo de vontades que se forma visando a assinatura de um contrato de trabalho entre as partes.
Com efeito, o hiring bonus possui natureza remuneratória? Para fins de incidência da contribuição previdenciária patronal? Veremos que não.
Quando há pagamento a título de bônus de contratação não existe contraprestação. E não existe tal contraprestação porque não existe trabalho. A essência desta verba é o pagamento para que se firme um contrato de trabalho. Não existe uma contraprestação de um empregado que sequer é funcionário da empresa. Ainda, não há tempo à disposição do empregador pelos mesmos motivos, ou seja, se não há ainda o trabalho, nem contrato, por óbvio que não se pode admitir que o trabalhador colocaria seu tempo sob o talante do empregador.
De igual forma, também não se observa ser o pagamento de um bônus de contratação decorrência de um caso de interrupção de contrato de trabalho, isso porque não há salário em situação em que não há trabalho. Por último, se sequer há contrato de trabalho, dele não pode ser decorrente!
Ademais, em que pese a derrota da citada instituição financeira no CARF, acerca dessa matéria, vemos que os contribuintes já conseguiram êxito perante o Fisco Federal, não sendo obrigados a recolher a contribuição previdenciária patronal sobre tal signo:
Assunto: Contribuições Sociais Previdenciárias
Período de apuração: 01/01/2010 a 31/12/2010
SALÁRIO DE CONTRIBUIÇÃO. INDENIZAÇÃO. NÃO INTEGRAÇÃO.
O pagamento de verba de comprovada natureza indenizatória não integra o salário de contribuição, em face da ausência de caráter remuneratório da verba.
PREVIDENCIÁRIO. PRÊMIO APOSENTADORIA. GANHO EVENTUAL. NÃO INCIDÊNCIA
O prêmio concedido a todos os funcionários desligados da empresa em decorrência da política de reestruturação provocada pela própria empresa ou aqueles desligados por aposentadoria compulsória que se aposentem, após cumprir o mínimo de tempo pré-estipulado como funcionário da empresa, amolda-se à característica de ganho eventual de caráter claramente indenizatório, desvinculado do salário, sendo efetuado uma única vez, atraindo o disposto no art. 28, § 9º, e, 7, primeira parte, da Lei 8.212/1991.
BÔNUS DE CONTRATAÇÃO AUSÊNCIA DE CARÁTER REMUNERATÓRIO. NÃO INCIDÊNCIA.
Não integra o salário de contribuição o pagamento único de bônus por força de avença anterior ao contrato de trabalho, que tenha por objetivo que esse venha a ser implementado, nos casos específicos de busca por profissionais singulares. Tais valores não ostentam natureza remuneratória, posto que não decorrem de prestação de serviços de pessoa física e sim de mera obrigação de fazer, promessa de contratar, não relacionada ao fato gerador das contribuições previdenciárias.
BÔNUS DE RETENÇÃO AUSÊNCIA DE CARÁTER REMUNERATÓRIO. NÃO INCIDÊNCIA.
Não integra o salário de contribuição o pagamento único de bônus por força de cláusula acessória ao contrato de trabalho, que tenha por objetivo que esse contrato seja transformado em contrato a prazo mínimo determinado, nos casos específicos de oferta de novo emprego recebida pelo empregado que se pretenda reter. Tais valores não ostentam natureza remuneratória, posto que não decorrem de prestação de serviços de pessoa física e sim de mera obrigação de fazer, manutenção do contrato de trabalho pelo tempo avençado, não relacionada ao fato gerador das contribuições previdenciárias.
AVISO PRÉVIO. INDENIZADO. INEXISTÊNCIA DE CARÁTER REMUNERATÓRIO. NÃO INCIDÊNCIA DE CONTRIBUIÇÕES.
O pagamento do aviso prévio indenizado não tem caráter remuneratório, vez que o empregado, nessa hipótese, é indenizado pela ofensa ao seu direito ao cumprimento do período de pré-aviso de rompimento do contrato de trabalho.
FÉRIAS INDENIZADAS ACRESCIDAS DO TERÇO CONSTITUCIONAL. INEXISTÊNCIA DE CARÁTER REMUNERATÓRIO. NÃO INCIDÊNCIA DE CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS.
Os valores pagos a título de férias indenizadas – sejam essas proporcionais, vencidas, ou em dobro – não integram o salário de contribuição, inclusive os valores acrescidos em razão das disposições constantes do inciso XVII do artigo 7º da Carta da República.
RECURSO DESTITUÍDO DE PROVAS.
O recurso deverá ser instruído com os documentos que fundamentem as alegações do interessado. É, portanto, ônus do contribuinte a perfeita instrução probatória.
CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS. SAT. GRAU DE RISCO DA ATIVIDADE PREPONDERANTE DA EMPRESA CONFORME CNAE.
O enquadramento nos correspondentes graus de risco é de responsabilidade da empresa, devendo ser feito mensalmente, de acordo com a sua atividade econômica preponderante, conforme a Relação de Atividades Preponderantes e Correspondentes Graus de Risco, elaborada com base na CNAE, prevista no Anexo V do RPS, competindo à Secretaria da Receita Federal do Brasil rever, a qualquer tempo, o autoenquadramento realizado pelo contribuinte e, verificado erro em tal tarefa, proceder à notificação dos valores eventualmente devidos.
(Acórdão nº 2201-003.882, em 12/09/2017).
Logo, como o hiring bonus (bônus de contratação) não possui natureza remuneratória, este não pode sofrer incidência (compor a base de cálculo) da contribuição previdenciária patronal (na razão de 20%, incidente sobre todas as remunerações pagas aos empregados). Entender de modo diverso é violar o artigo 150, inciso I, da Constituição Federal, que versa sobre o princípio da estrita legalidade tributária (não se pode exigir tributo sem que tal pretensão tenha amparo legal).
baixe o pdf