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Vivemos uma conjuntura social sem precedentes, com aproximadamente um bilhão de pessoas confinadas em seus próprios lares, numa tentativa de mitigar os impactos causados pela COVID-19. A crise causada pela doença, certamente, deixará profundas marcas sociais e econômicas no mundo. No Brasil, algumas medidas tributárias já foram adotadas como forma de tentar minimizar os impactos que serão sofridos pelas empresas durante esse doloroso processo de contenção da doença. Mas, quais outras medidas tributárias poderão surgir como alternativas para manter as fontes produtoras e os empregos dos trabalhadores?
Pensar em alternativas tributárias para situações de crise econômica não é tarefa simples. Sobretudo diante da atual conjuntura, na qual a crise econômica está atrelada a uma situação de saúde pública sem precedentes nos tempos modernos. Uma análise bem primária revela que a economia depende do consumo, o qual depende da atividade empresarial que, por sua vez, está adstrita às regras do sistema tributário e à arrecadação do Estado. Muitas vezes, estimular a atividade empresarial significa renunciar parte da arrecadação. Porém, a sociedade depende da arrecadação para serviços básicos como saúde, segurança e educação. Por isso, alternativas para os momentos de crise devem ser muito bem pensadas.
Na última semana, momento em que a crise causada pela COVID-19 se intensificou no Brasil, a União anunciou algumas medidas tributárias para contribuir no enfrentamento da situação. Dentre as medidas, temos o adiamento dos vencimentos das três próximas parcelas do Simples Nacional e a suspensão dos principais prazos e atos da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional.
A mais geral reivindicação das empresas, no entanto, consiste no diferimento dos tributos federais, da forma como já ocorreu em relação às obrigações do Simples Nacional. A moratória, de acordo com a legislação vigente, poderia abranger débitos já constituídos e os vincendos, assim permitindo que as empresas coloquem o “nariz para fora da água” e respirem um pouco, especialmente se for dirigida às contribuições que recaem sobre a folha de pagamentos, o que poderá ser crucial para garantir o emprego de muitos trabalhadores.
De fato, a moratória para alguns tributos será essencial para evitar o completo colapso de algumas empresas, principalmente para os casos de impostos e contribuições cujo recolhimento opera-se mediante a transferência da responsabilidade tributária, tal como ocorre com o INSS (parte empregado), o FGTS e o ICMS. O não recolhimento desses tributos dentro do prazo legal tem consequências penais, relacionadas à apropriação indébita de valores. E, diante do cenário desenhado, muitas empresas serão obrigadas a deixar de recolhe-los, como forma de manter sua própria subsistência.
Por isso, enquanto perdurar essa incerteza quanto à moratória tributária, as empresas deverão analisar com cautela o não cumprimento de suas obrigações, de forma a mitigar os futuros impactos negativos de sua decisão.
Mas, certamente, apenas a suspensão ou a prorrogação do vencimento dos tributos não será suficiente para garantir a manutenção de muitas empresas e empregos, muito embora representará um custo altíssimo para a arrecadação do Estado.
O Brasil é um famoso recordista no que tange às obrigações tributárias acessórias, práticas que consistem, em linhas gerais, na prestação de informações pelo contribuinte à fonte arrecadadora. As empresas dependem de inúmeros colaboradores para a correta entrega das informações relativas aos incontáveis tributos federais, estaduais e municipais. Contudo, hoje, muitos desses trabalhadores estão em casa, sem qualquer possibilidade de acesso remoto para a entrega dessas obrigações. Então, não basta simplesmente prorrogar o pagamento dos tributos, sendo imprescindível suspender a entrega de todas as obrigações acessórias, livrando as empresas dos encargos moratórios que correrão pela falta de atendimento dos prazos legais.
Enquanto as alternativas oficiais permanecem em estudo, o que é recomendável e esperado, dado o complexo cenário que vivemos, as empresas deverão avaliar alternativas internas, muitas das quais dependerão do aval do judiciário. Poderão, por exemplo, avaliar a utilização de créditos tributários já reconhecidos em ações judiciais para o abatimento de débitos tributários, mediante o aval do judiciário, certamente.
Hoje, inúmeros contribuintes possuem créditos já reconhecidos pelo judiciário, decorrentes de ações cujo tema já se encontra julgado pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça, em processos cujo trânsito em julgado depende apenas de formalidades processuais. Nesses casos, os contribuintes ficam privados de aproveitar, antes do trânsito em julgado, o crédito já reconhecido. É caso, por exemplo, dos contribuintes que ingressaram com medidas judiciais para reconhecer que o PIS e a COFINS não devem incidir sobre o ICMS e que ainda não obtiveram o reconhecimento do trânsito em julgado.
Nesses casos, tratando-se de tema pacificado pela jurisprudência, seria prudente permitir que o respectivo crédito tributário seja utilizado mesmo antes do trânsito em julgado da ação, assim afastando a aplicação do artigo 170-A do Código Tributário Nacional.
Além disso, em determinados casos, poderia ser permitido ao contribuinte levantar valores depositados em contas judiciais como forma de suspender a exigência de crédito tributário, principalmente para os casos de comprovada necessidade de adimplemento de obrigações trabalhistas. Claro, são hipóteses que deverão ser avaliadas isoladamente e de acordo com as peculiaridades do caso concreto, mas que, certamente, não poderão ser descartadas. O momento exige das empresas e empresários plena motivação, criatividade e coragem, características que já lhes são peculiares.
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